segunda-feira, 21 de março de 2011

Empoderamento económico e violência são os maiores desafios das mulheres cabo-verdianas

21-3-2011

No âmbito do Dia Internacional da Mulher, assinalado no passado dia 8 de Março, o Expresso das Ilhas foi falar com a mais antiga associação cabo-verdiana de promoção feminina, a OMCV. De acordo com a presidente da organização, apesar dos inúmeros avanços em termos laborais e sociais, a questão do empoderamento económico é um dos grandes desafios das mulheres cabo-verdianas. Além disso, devido ao importante papel da mulher na sociedade cabo-verdiana, Idalina Freire acredita que trabalhando com as famílias será possível reduzir a violência no país.

Expresso das Ilhas - Em Cabo Verde, o mês de Março é o mês da mulher. Além do 8 de Março, assinalamos também o Dia da Mulher Cabo-verdiana a 27 de Março. Este ano, como é que a OMCV vai comemorar essas datas?
Idalina Freire - Normalmente elaboramos um vasto plano de actividades, que engloba todo o mês de Março. Este ano, particularmente, vamos comemorar todo o ano, porque a OMCV vai comemorar 30 anos de existência. Para o dia 8 especificamente, apoiamos várias iniciativas. Em São Vicente um grupo carnavalesco desfilou em homenagem à OMCV, e em Santo Antão, na Ribeira Grande, há um grupo desfilou em comemoração ao Dia da Mulher Cabo-verdiana. A nível das delegações dos concelhos, há várias iniciativas que vamos apoiar. Já para o dia 27, queremos realizar um acto central único. Ainda não definimos se será uma gala na Assembleia ou um jantar. Há algumas instituições que já mostraram interesse em fazer parcerias. Neste momento, estamos a finalizar o nosso plano. Queremos ainda, no quadro de Março, fazer a apresentação pública do projecto de reconstrução do centro da OMCV em Santa Catarina. Queremos fazer o mesmo na Boa Vista, onde o espaço está muito degradado.

Vamos falar sobre a situação da mulher em Cabo Verde. A questão da participação política tem sido muito debatida. Que avaliação faz da evolução da sociedade cabo-verdiana neste aspecto?
No contexto político, ainda temos muito que trabalhar, porque a política ainda é dominada pelos homens. Temos de continuar a trabalhar, no sentido de incentivar as mulheres a participar, e de incentivar os homens a abrir espaço para a mulher. Acabamos de ter um governo com paridade no género, o que é positivo, mas ainda temos muitas lacunas em relação ao parlamento, onde a representatividade feminina é muito baixa. Quando se fala dos órgãos do poder local, também há uma representatividade muito fraca da mulher, e temos apenas duas mulheres como presidentes de Câmara.

A nível laboral, em termos de salários, ainda há muita disparidade entre homens e mulheres que desempenham as mesmas funções?
Neste aspecto, eu considero que nota-se alguma maturidade dos empregadores. Hoje, no que se refere ao Estado, já não se verificam situações em que um homem e uma mulher desempenhando as mesmas funções têm salários diferentes. No entanto, quando se analisam as camadas mais desfavorecidas da sociedade, com uma população semi-analfabeta, pouco escolarizada, e com empregos designados de "bicos", ainda encontramos essa diferenciação salarial. Aí a abordagem é mais complexa, porque nem o emprego nem o empregador são fixos. Neste sentido, temos usado essa metodologia do GOIP (Gabinete de Orientação e Inserção Profissional), que é aproximar empregadoras e empregadas, em sessões visando o auto-conhecimento.

Em relação à questão do assédio no contexto laboral e não só, que avaliação faz da situação em Cabo Verde?
O assédio normalmente acontece em espaços fechados, e quem assedia procura formas subtis de o fazer. Neste sentido, o tema ainda é muito pouco falado. Nós, através do GOIP, conseguimos, com outros parceiros, elaborar um projecto, uma outra componente, em que temos divulgado os aspectos ligados ao assédio sexual e trabalhamos em sessões de grupo. O assédio existe, sobretudo porque temos uma sociedade muito machista, somos ainda um país pobre e com dificuldades. Assim, facilmente se pode entrar nesta teia. Por enquanto, é preciso trazer o tema para a discussão pública, pois ainda é um tabu. Mas sabemos que a penetração nestes aspectos não é fácil.

A questão da maternidade é específica da condição feminina. Neste momento, a licença de maternidade está fixada em dois meses a partir do parto. Além disso, a mulher tem direito a uma dispensa para amamentação de 45 minutos em cada período de trabalho Acha que é suficiente?
Suficiente não é. Pelo menos já conseguimos conseguir dois meses de licença, e temos essa prerrogativa de amamentação de uma hora por turno. Mas sabemos que não é suficiente. Um bebé de dois meses ainda é muito frágil. Mesmo existindo em Cabo Verde uma forte solidariedade familiar, sabemos que a sociedade está a evoluir. A disponibilidade dos familiares para se ocuparem dos nossos filhos é cada vez menor, porque a vida tornou-se diferente.

Qual seria o tempo ideal?
O ideal seria seis meses, mas estou consciente que chegar lá que não será fácil. Se pudéssemos estender aos três meses, já seria bom para a presente conjuntura. Conhecemos as fragilidades do país, e não queremos exigir acima das possibilidades reais de aceitação.

Neste momento, quais são os maiores desafios que se colocam às mulheres cabo-verdianas?
Penso que há dois aspectos muito importantes em que se deve trabalhar. Por um lado, nos últimos tempos, a sociedade cabo-verdiana tem enfrentado situações de muita violência, quer na rua, quer nas escolas, quer na família. Eu acho que nós, organizações da sociedade civil que trabalhamos a parte feminina, temos um papel importante porque é na família que começa a formação da sociedade. Temos um papel muito forte, pois temos uma sociedade em que os dados indicam que 80 % das crianças nascem fora do casamento, e 40% das famílias são chefiadas por mulheres. É preciso trabalhar a família, no contexto que temos em Cabo Verde, porque não se pode viver num país tão pequeno como Cabo Verde com essa onda de violência. Neste contexto, temos o desafio de trabalhar a violência com base no género, a violência na família, fazer sessões de informação sobre aspectos da lei e do exercício da cidadania, e outros temas que consideramos ir ao encontro dessa tarefa. Há que incentivar uma relação mais estreita entre a escola e a sociedade.

Qual seria o outro desafio?
O outro aspecto é a parte económica. Hoje já não se fala muito na questão da emancipação, porque acho que já estamos a ultrapassar essa fase. Agora temos de trabalhar a questão do empoderamento económico da mulher, porque economicamente fragilizada a mulher tem menos força para reivindicar os outros direitos. De modo que essa é uma das nossas apostas. Com acção do GOIP e do micro-crédito, temos tentado encontrar diversas alternativas, no sentido de garantir esse empoderamento.

Para terminar, que mensagem deixaria às mulheres cabo-verdianas no âmbito do 8 de Março, mas também do 27 de Março?
A mulher cabo-verdiana é muito forte e valente, pelo que deve trabalhar com essa convicção, apostar forte e alto, e lutar no sentido de ultrapassar os tabus, os preconceitos e as dificuldades. Cabo Verde está a transformar-se de uma forma rápida, e as mudanças são rapidamente visíveis. Nós, as mulheres, temos de ser capazes de viver e fazer parte dessa mudança. Para isso, temos de ter a convicção firme de que somos capazes e ter, efectivamente, estruturas de apoio.

30 anos de OMCV

Fundada em 1981, a Organização das Mulheres Cabo-verdianas vai comemorar o 30º aniversário. Idalina Freire faz uma avaliação positiva do impacto da organização na vida das mulheres cabo-verdianas. "Em termos históricos, de emancipação e de promoção da mulher em Cabo Verde, a OMCV deixou um legado muito grande. Podemos dizer que somos a base do trabalho de emancipação da mulher cabo-verdiana", afirma. Os trabalhos desenvolvidos pela organização em termos de alfabetização e formação de jovens raparigas são alguns dos motivos indicados para a importância da organização. "A mulher cabo-verdiana avançou muito e hoje está numa posição de bastante equilíbrio", remata.

Fonte: expresso das ilhas on line

21-3-2011, 09:48:19
Ilda Fortes, Redacção Praia